data-filename="retriever" style="width: 100%;">A ortografia própria do ano de 1927 prejudicava o entendimento, mas era clara a defesa de ideias revolucionárias na análise de uma decisão de guarda das filhas menores a uma mulher, "desde que nada houvesse em desabono a sua conduta". Trazendo argumentos do direito natural, o autor do antigo texto referia que "o filho é o sangue de sua mãe" e que a natureza indica, pela formação física e necessidade de amamentação, que a prole está sob sua dependência. Mesmo com a mudança de sua alimentação, os seus passos inexperientes devem ser velados pela sombra protetora materna, até a sua maioridade, quando estaria apto para as "lutas terrenas".
Defendia que os desvelos da genitora são mais assíduos e mais pertinazes do que os do pai, a quem caberia o sustento e a supervisão da criação e da educação da sua prole. Para o jurista, o "homem não pode substituir a mulher no mister delicadíssimo de criar e educar meninas".
Passados cem anos, vivendo novos costumes e mudanças legais paradigmáticas, ainda existem resquícios da exata divisão dos papéis dos genitores, facilmente encontrados nos processos judiciais que tratam de guarda ou regulamentação da convivência parental.
A própria expressão "visitação", ainda usual nos processos, denota que a antiga cultura discriminatória entre pai e mãe continua presente. Mesmo que o discurso predominante seja de igualdade de direitos e funções e a guarda compartilhada a regra geral, em muitos momentos ainda nos deparamos com a prevalência dos direitos maternos.
Exemplifica-se com o próprio preconceito sofrido pelas mulheres ao revelarem que não são as guardiães de seus filhos menores, ou que eles não residem consigo, contraposta à surpresa e a admiração despertada nos casos em que o homem é quem cria e reside com os seus filhos, após um processo de separação.
A cultura secular da predominância da relação materna, sutilmente é revelada nos processos, como no momento em que o juiz exige provas de um pai sobre sua possibilidade de cuidar de seus próprios filhos para que possa viajar com eles, ou quando o representante do Ministério Público se escandaliza ao analisar a proposta de um pai para que a mãe partilhe a tarefa de trazer as crianças até a cidade onde ele reside, ou mesmo quando os horários da "visitação" paterna são rigidamente impostos sem levar em consideração as situações individualizadas. Essa cultura discriminatória ao exercício da paternidade acaba por favorecer os atos de alienação parental, cujos estudos comprovam que, na sua grande maioria, são praticados pela mãe.
No longínquo ano de 1927, os doutrinadores jurídicos já recomendavam aos juízes a análise individualizada de cada caso na busca da verdadeira justiça. Os tempos são outros e as mudanças sociais radicais, mas a recomendação continua válida. Ainda que a demanda dos processos seja expressiva, o direito das famílias continua a ser prioritário e seus princípios norteadores não podem ser apenas uma teoria idealizada.